
Fotos - Uol
16.out.2001 - Crianças afegãs refugiadas jogam futebol na comunidade de Hazara,para esquecer da guerra.
"Com
certeza, só o pensamento positivo não irá resolver questões ou realizar
curas milagrosas, ou te dar aquela oportunidade que tanto necessitas e
almejas , mas te dará o animo necessário para continuar tentando, pois a
verdadeira força está em voce"
Vania Lima
Vania Lima
Muito se fala que a mente move montanhas. Você seria um ímã e atrairia
tudo o que desejasse. A boa fortuna estaria ao alcance de suas mãos (ou
melhor, da sua cabeça). Será? Uma atitude otimista faz um bem danado,
sim. Mas ninguém consegue ficar rico só com a força do pensamento. Saiba
como isso funciona.
Pense. Em qualquer coisa. Numa casa, por exemplo. Imagine-a pintada de
branco, com janelas azuis e cercada por um terraço com escadas que levam
a um jardim. Ali estão margaridas, girassóis e uma árvore frondosa.

Nos 10 segundos que você levou para chegar até aqui, uma
avalanche de sinais nervosos ocorreu no seu cérebro. No córtex (camada
periférica dos hemisférios cerebrais), milhares de neurônios foram
acionados e trocaram informações em frações de segundo. Arquivos de
memória foram vasculhados e, sem que você pudesse controlar ou prever, a
imagem de uma casa surgiu em sua mente. Por isso, você deve ter sentido
um bem-estar, uma vontade de possuir essa casa de verdade.
Dentro de nossa caixa craniana ocorrem milhares de outros
processos – esse que você acabou de perceber é o que podemos chamar de
pensamento positivo, uma idéia que, nas prateleiras das livrarias, vem
ganhando contornos de magia. Basta ter uma atitude otimista para atrair o
que deseja. Dinheiro, amor, saúde, sucesso. Tudo. Qualquer coisa pode
estar ao seu alcance se você pensar positivamente, com firmeza, dizem os
autores de auto-ajuda.
“Aquilo em que você mais pensa ou se concentra se
manifestará”, garante Rhonda Byrne. Essa australiana de 52 anos alega
ter desenterrado uma verdade preservada a sete chaves por sábios,
filósofos, cientistas e gente de sucesso. E revelou sua descoberta no
filme O Segredo, que vendeu mais de 2 milhões de cópias em dvd no mundo
inteiro. O livro homônimo, lançado por ela, também virou um fenômeno de
público, com 6 milhões de exemplares vendidos em apenas um ano. Byrne
resume o que descobriu em frases de efeito como: “Sua realidade atual ou
sua vida atual é resultado dos pensamentos que você tem”. Hoje, uma
legião de fãs segue seus ensinamentos.
Esse mistério alardeado por Byrne não é nenhum segredo. Já
faz tempo que diversos escritores têm divulgado as benesses do
pensamento positivo. Um dos primeiros a falar sobre o assunto, Norman
Vicent Peale, autor de O Poder do Pensamento Positivo, em 1952 já dizia:
“Mude seus pensamentos e você mudará seu mundo”. Hoje, a lista de
livros que ensinam a usar os poderes da mente é quilométrica. Há o
médico indiano Deepak Chopra (As Sete Leis Espirituais do Sucesso), o
casal de videntes Esther e Jerry Hicks (Peça e Será Atendido), a
palestrante motivacional Sandra Taylor (A Ciência do Sucesso), apenas
para citar alguns dos mais badalados. Outro autor conhecido é o físico
Amit Goswami (O Universo Consciente), cujo livro inspirou o filme Quem
Somos Nós? (2005), espécie de documentário de auto-ajuda que recorre à
física quântica para falar dos potenciais da mente.
Em comum, todas essas teorias têm o fato de recorrer a
argumentos científicos para afirmar que é possível fazer o cérebro
funcionar a nosso favor e gerar resultados surpreendentes. No caso da
física, especialmente da física quântica, os autores nos comparam o
tempo todo com elétrons (veja quadro na página 58).
Bastaria utilizar a técnica correta para colhermos os
benefícios na saúde, trabalho e relacionamentos. É bom lembrar que, aos
olhos da quase totalidade dos cientistas, essas teorias não fazem
sentido nenhum. Por outro lado, a todo instante, deparamos com situações
que parecem mostrar o contrário. O que dizer, por exemplo, de pessoas
que parecem ter descoberto a fórmula secreta do sucesso e realmente se
dão muito bem em tudo o que fazem? Ou dos otimistas a quem nada parece
abalar? Ou ainda daqueles que dizem ter vencido doenças graças à atitude
mental positiva? Relatos não faltam. Pois bem. Dentro deste caldeirão
em que tudo parece ter o pensamento positivo como pano de fundo, você
vai descobrir o que se fala a respeito, o que é fantasia, o que já foi
comprovado e o que ainda permanece um mistério.
O que se diz por aí
Peça, acredite e receba. Simples assim é a fórmula
apresentada por Rhonda Byrne, autora de O Segredo. “No momento em que
você pede alguma coisa, e acredita, e sabe que já a tem no invisível, o
Universo inteiro se move para deixá-la visível”, diz. No livro e no
filme de mesmo nome, não faltam relatos de gente que conseguiu a cura de
doenças, o amor ideal ou até um colar de diamantes como num passe de
mágica. O segredo ensinado por Byrne é observar o Universo como uma
lâmpada mágica – e se comportar como o Aladim. Ao esfregar a lâmpada –
ou seja, ao pensar positivamente – seus desejos se materializariam.
Na base dessa afirmação, está a crença de que os pensamentos
são magnéticos e emitem uma freqüência poderosa capaz de influenciar as
pessoas e coisas à nossa volta. De acordo com esse raciocínio, quando
você pensa positivo, entra numa freqüência positiva e atrai coisas
benéficas para a sua vida – o pensar negativo, segundo Byrne, causa o
efeito inverso.
O guru indiano Deepak Chopra, outro astro que ensina como
usar a mente positiva em seu benefício (ele orienta celebridades como
Madonna), usa outro discurso para atingir o mesmo fim, ou seja: saúde,
sucesso e riqueza. Segundo ele, o corpo deve ser entendido como um campo
de energia que precisa estar em equilíbrio. Suas técnicas de meditação
ajudariam na tarefa de chegar lá.
São centenas de teorias para quem deseja potencializar a
mente. Os autores vêm de áreas diversas, da gestão de carreiras e
esportes, passando pelo espiritismo e pela psicologia. Muitos afirmam
ser especialistas em “potencializar a mente” e na “transformação
pessoal”. Geralmente, elaboram suas teorias a partir das próprias
experiências de sucesso e auto-superação. Dentro dessa babel de
ensinamentos, porém, algumas idéias acabam se repetindo. É o tripé
energia, magnetismo e holismo.
Energia, magnetismo e holismo
Para a física, de modo bem resumido, energia é a capacidade
de um corpo executar um trabalho ou realizar um movimento (por exemplo, o
fogo é uma fonte de energia empregada para cozinhar alimentos que, por
sua vez, fornecem energia ao corpo). No caso da auto-ajuda, contudo, é
bom você esquecer o que aprendeu na escola. Energia, segundo muitos
desses autores, é uma força que anima todas as coisas, uma fonte de
bem-estar e amor. Com o treinamento correto, ela poderia ser direcionada
para todas as finalidades, inclusive as mais cotidianas – por exemplo,
receber uma promoção no trabalho, achar uma vaga na garagem do shopping e
evitar os quilos extras mesmo comendo além da conta. “Quando nos
distanciamos dessa energia, surgem problemas, medos, carências e
doenças”, diz a escritora Esther Hicks, em seu livro com o sugestivo
nome Peça e Será Atendido.
O magnetismo (capacidade de alguns materiais se atraírem ou
se repelirem) é outro conceito bastante apropriado pela literatura sobre
pensamento positivo. A crença é que a mente atuaria como um ímã capaz
de vibrar com força suficiente para atrair objetos e acontecimentos. Só
que a idéia clássica da física de que pólos opostos se atraem não vale
aqui. Pensamentos positivos atrairiam experiências positivas – e
vice-versa. O escritor Michael Losier ilustra com um clássico exemplo:
se você acordar mal-humorado, der uma topada na cama, queimar a torrada e
não controlar a raiva, irá vibrar negativamente e atrairá vários
problemas para o seu dia. No livro Lei da Atração – O Segredo Colocado
em Prática, ele chama essa seqüência de causas e efeitos de Lei da
Atração e diz que ela “sempre se harmoniza com sua vibração, seja ela
positiva, seja negativa”.

Já o filme Quem Somos Nós? propagou outra idéia bastante
popular: todos estamos interligados. “Você e eu somos um, há uma conexão
invisível entre todas as coisas”, diz o filme. Esse conceito pode ser
resumido numa única palavra: holismo (do grego holos, que significa
“todo”). É mais ou menos aquela frase que diz: “Uma borboleta que bate
asas no Japão pode causar um tornado no Brasil”. Alguns autores dizem
que a nossa mente atuaria como a borboleta. E você, leitor, adestraria
esse inseto como bem entendesse. Dessa forma, seria capaz de causar
benefícios em série. Por exemplo: se você quiser muito uma resposta
positiva de um emprego, vai conseguir não somente o trabalho como uma
excelente colocação, um aumento de salário, viagens pelo mundo inteiro e
logo um grande amor com quem terá 3 filhos lindos. É um efeito dominó.
Isso faz sentido?
A ciência, de um modo geral, vê o assunto com desconfiança,
uma vez que faltam trabalhos acadêmicos reconhecidos para comprovar que
essas teorias realmente funcionam. Em geral, os autores costumam
apresentar muitos relatos de pessoas que afirmam ter tido sucesso com as
técnicas de pensamento positivo – mas relatos isolados não provam nada,
por mais incríveis que sejam. Existem normas que devem ser seguidas
para um estudo ser levado a sério. É preciso observar o fenômeno, criar
uma hipótese para explicá-lo, depois coletar dados relacionados àquilo
que se estuda e, por fim, testar se a hipótese é realmente verdadeira.
Esse processo pode demorar alguns anos.
O problema é que as teorias sobre o pensamento positivo
costumam se apropriar de conceitos científicos para validar idéias que,
como acabamos de falar, estão fora do campo da ciência. Nesse caso, a
crítica mais aguda vem de áreas como a física e a neurociência. “Muitos
tomam uma teoria e tentam generalizá-la para tudo”, diz o neurofisiólogo
Roque Magno de Oliveira, professor da UnB.
Um exemplo é o uso do conceito de energia, que passou a
significar algo diferente do que diz a física. “Na verdade, essas
pessoas consideram energia aquilo que eu considero empatia. Isso não tem
nada a ver com física, e sim com a psicologia das relações humanas”,
afirma o físico Ernesto Kemp, professor do Instituto de Física da
Unicamp. A física também rejeita a badalada Lei da Atração, que diz que
os pensamentos criam campos energéticos à nossa volta. “O pensamento
como energia, como uma espécie de campo que age a distância, é algo que
nunca foi comprovado cientificamente”, explica Adilson José da Silva,
professor do Instituto de Física da USP. Ou seja, nunca ninguém detectou
esse tal “campo energético”. É verdade que, no cérebro humano, ocorrem
estímulos elétricos o tempo todo. Mas, segundo Ernesto Kemp, os pulsos
elétricos liberados durante as sinapses são tão fracos que a
probabilidade de o campo eletromagnético que você está gerando com suas
sinapses interagir com o de outras pessoas é nula.
Os neurocientistas, por sua vez, concordam que o estado de
ânimo pode, sim, influenciar o nosso organismo de várias maneiras. Os
hormônios associados ao estresse têm grande influência na consolidação
da memória. Ou seja, a idéia de que pensar positivo faz bem não é
absurda. “Quando estamos muito estressados, o nível dos hormônios
secretados é alto e influencia negativamente esse processo”, afirma o
neurocientista Martin Cammarota, pesquisador do Centro de Memória da PUC
de Porto Alegre. De acordo com ele, não temos controle total sobre
nosso cérebro nem sobre os processos químicos e celulares que ocorrem
nele. “O ser humano é uma soma de circunstâncias. Por mais que você
pense positivo, seus níveis de colesterol no sangue não vão diminuir
somente em conseqüência disso”, ressalta. No caso do colesterol, dieta e
exercícios são algumas das circunstâncias a ser consideradas.
Mas pensar positivo funciona?
Funciona. Mas não como a maioria das pessoas gostaria. O
pensamento positivo não vai engordar sua conta bancária do dia para a
noite. Nem fará carros e diamantes orbitar ao seu redor. Porém, segundo
várias pesquisas, uma atitude otimista pode influenciar muito a
resistência do organismo às doenças.
Uma comprovação disso veio da Universidade Harvard, nos EUA.
Há 5 anos, um grupo de médicos da instituição descobriu que pensar
positivamente pode fazer bem para os pulmões. Os pesquisadores avaliaram
o estado de saúde de 670 homens na faixa dos 60 anos de idade. Também
aplicaram testes de personalidade para identificar quem eram os
otimistas e os pessimistas. Depois de 8 anos, constatou-se que a turma
do bom humor tinha um sistema imunológico mais resistente a doenças
pulmonares quando comparada ao grupo dos estressados. Até mesmo os
fumantes otimistas apresentaram resultados melhores que os adeptos do
tabagismo que eram, digamos, baixo-astral.
O coração também bate melhor quando estamos com bom humor.
Os pesquisadores do Instituto Delfland de Saúde Mental, na Holanda,
monitoraram homens com idade entre 64 e 84 anos durante 15 anos. A
incidência de infartes e derrames foi menor entre aqueles que tinham uma
atitude positiva. Os otimistas apresentaram ainda 55% menos risco de
ter doenças cardíacas.
O que essas pesquisas revelam pode soar óbvio: pessoas com
disposição para ver o lado positivo da vida tendem a cuidar mais da
saúde, a praticar exercícios e se alimentar melhor. Porém, há outra
explicação, que fala da relação entre os hormônios e o estresse –
problema que os otimistas parecem enfrentar melhor em relação aos
pessimistas. Longos períodos de irritação e melancolia influenciam a
secreção de alguns hormônios. “No estresse crônico predomina a ativação
do córtex das glândulas supra-renais com produção de cortisona, que é um
hormônio imunossupressor, ou seja, que diminui a ação do sistema
imunológico”, explica o médico Régis Cavini Ferreira, especialista em
psiconeuroendocrinologia, uma área que estuda a relação entre cérebro,
hormônios e comportamento. “Assim, evitando o estresse, o indivíduo tem
melhor competência imunológica para se recuperar das doenças”, afirma.
As glândulas supra-renais, aliás, parecem ser um dos principais
termômetros do pensamento positivo no nosso corpo. Como o próprio nome
diz, elas ficam na parte superior dos rins e sua função consiste
basicamente na liberação de hormônios. Isso acontece como resposta ao
nível de estresse a que formos expostos.
O poder da motivação
Quando o assunto sai da área de saúde e bem-estar, os
resultados do pensamento positivo ainda são controversos – pelo menos no
que diz respeito aos estudos acadêmicos. A ciência não confirma a
eficácia do otimismo na obtenção de sucesso profissional ou do êxito em
qualquer outra atividade. Contudo, não faltam exemplos de que alguma
coisa parece funcionar a nosso favor quando adotamos uma atitude “para
cima”. Ou melhor: quando estamos motivados. O técnico da seleção
masculina de vôlei, Bernardinho, por exemplo, conhece bem os resultados
que um time talentoso e focado no sucesso pode alcançar – como o
pentacampeonato da Liga Mundial, o campeonato olímpico e o bicampeonato
mundial. Há algum tempo, ele vem compartilhando sua experiência com
grandes empresas, realizando palestras em que ensina os segredos do
trabalho em equipe e da superação individual.
“Temos que buscar sempre a renovação e a qualificação
individual. Cabe aos comandantes identificar líderes do grupo e
trabalhar na motivação de todos para o sucesso coletivo”, disse
Bernardinho em uma palestra na UnB. Nessa frase, ele resume alguns de
seus principais pilares para o sucesso: superação, obstinação,
treinamento, persistência, foco na liderança. E, claro, motivação.
Misturando esses ingredientes com uma boa dose de trabalho, afirma o
treinador, não tem erro. Pode ser nas quadras, no escritório, dentro de
casa, na sala de aula.
A motivação é mesmo uma palavra de ordem dentro do vasto
universo do pensamento positivo. No mundo dos negócios, ela veste uma
roupagem mais elaborada, tem estratégias bem traçadas, baseadas no
planejamento e na execução de metas.
É aqui que entra a programação neurolingüística (PNL), uma
outra referência quando o assunto é o poder da mente positiva. Criada
nos anos 70 por um matemático e um lingüista americanos, a PNL ensina a
reprogramar o cérebro por meio de exercícios envolvendo imagens, sons e
toques. As técnicas, que ficaram populares no Brasil com os livros do
médico Lair Ribeiro, são usadas para incrementar a criatividade, o
aprendizado e a memória. Entre outras coisas, a PNL ensina que cada
pessoa deve encontrar o seu “motivo” para entrar em ação, estabelecendo
metas concretas e desejando ser extraordinária no que faz.
Os motivos que nos fazem agir são um assunto sério para a
psicologia. A motivação, nessa área de estudos, é considerada o conjunto
de fatores que impulsionam o nosso comportamento. Alguns são comuns a
todo mundo, como a necessidade de se alimentar. Outros variam de pessoa
para pessoa, como o desejo de realização e poder. “A motivação é aquilo
que faz você levantar da cama todos os dias. E só você sabe quais são
seus motivos”, afirma a psicóloga Valquíria Rossi, professora da
Universidade Metodista de São Paulo. Pessoas motivadas geralmente têm
objetivos claros e se esforçam para alcançá-los, e aí está uma parte da
explicação para o sucesso. Por exemplo: se você está motivado a trocar
seu Fusca por uma BMW, vai se esforçar para descobrir o que precisa
fazer para mudar de carro e não desistirá facilmente.
Mas motivação não age sozinha. Ela deve estar aliada
justamente ao otimismo. Em outras palavras: ao pensamento positivo.
“Algumas pessoas têm predisposição para ver o futuro com mais otimismo
e, então, assumem a responsabilidade pela própria vida e vão atrás do
que desejam, sem responsabilizar os outros por eventuais fracassos”, diz
ela.
O negócio é que essas duas atitudes – motivação e otimismo –
não podem ser adquiridas do dia para a noite. Insistir que deseja um
carro se você, intimamente, está feliz andando de ônibus não vai
motivá-lo a trocar de meio de transporte. E repetir “eu sou otimista”
não vai transformar um pessimista de carteirinha em alguém “para cima”.
Uma das coisas que contribuem para isso é a forma como fomos educados.
Pensar positivo pode não ser fácil para alguém que cresceu ouvindo
frases do tipo: “Não arrisque” ou “Não faça isso, pois não dará certo”.
“Se você cresce nesse tipo de família, provavelmente vai pensar assim”,
afirma Valquíria.
Pensar negativo faz mal?
Depende. Em profissões que envolvem a previsão de riscos,
por exemplo, um pouco de pessimismo é até bem-vindo. Imagine um operador
da bolsa que tem certeza que as ações irão subir. Ou um controlador de
vôo que sabe que os aviões não irão colidir nunca. O pessimismo – que
pode ser traduzido aqui como uma certa ansiedade e medo do fracasso –
faz uma diferença bem positiva nesses casos.
Durante provas e exames, a tática de pensar positivo ou
relaxar demais pode igualmente sair pela culatra. Nessas horas, uma
pequena dose de estresse irá contar pontos a seu favor. Esse estresse
agudo, ao contrário do crônico, não prejudica o sistema imunológico.
“Quando o nível de produção dos hormônios associados ao estresse é
moderado, ficamos em estado de alerta. Isso nos ajuda a manter a atenção
e nos predispõe à batalha”, explica o neurocientista Martin Cammarota,
do Centro de Memória da PUC de Porto Alegre. Atletas, por exemplo,
costumam se sair melhor nas competições quando estão mais tensos, uma
vez que secretam mais adrenalina. Nesse caso, o estresse é percebido
pelo corpo como algo bom.
Claro que pensar repetidamente em coisas desagradáveis não
faz bem para ninguém – inclusive, pode fazer mal à saúde. Segundo a
psicóloga Susan Andrews, a longo prazo, a secreção do cortisol – um
hormônio liberado em maior quantidade durante o estresse crônico – pode
matar até 25% dos neurônios do hipocampo. Essa é a parte do cérebro
responsável pela memória e pelo aprendizado. “Por isso, quando estamos
muito estressados e irritados, ficamos confusos e esquecidos”, explica.
O médico Régis Cavini também investigou o pensamento
negativo. Ele avaliou a relação entre a lembrança de acontecimentos
traumáticos e o funcionamento do cérebro. Descobriu que, ao evocarmos
uma memória traumática, a secreção de hormônios associados ao estresse
aumenta como se estivéssemos revivendo aquela experiência. “Ao
lembrarmos de um trauma, o vivenciamos outra vez em sua plenitude
metabólica e emocional”, diz o pesquisador, que conduziu a investigação
no Instituto de Psicologia da USP. Aí pode estar a explicação científica
para a antiga idéia de que remoer o passado faz mal ou de que desejar o
mal a alguém faz o feitiço virar contra o feiticeiro.
Alimentar idéias negativas, aliás, pode ser também um
clássico sintoma de que algo não anda bem. “Às vezes, a pessoa sofre de
depressão, ansiedade ou simplesmente aprendeu a ter pensamentos
negativos ainda na infância com o pai e a mãe. E assim entra num círculo
vicioso”, diz o neurofisiólogo e psicanalista Roque Magno, da UnB. A
psicoterapeuta Eva Strum defende o acompanhamento médico para os casos
em que o pessimismo se torna crônico. Lembra, ainda, que doses pequenas
de pensamento positivo – conquistadas, por exemplo, durante a leitura de
um livro ou em atividades lúdicas – podem ajudar. Há 6 anos, ela fundou
a ong Pensamento Positivo, formada por voluntários que visitam
hospitais de São Paulo para divertir os pacientes com jogos e músicas.
“Ao brincar, você mexe com a endorfina, que é um medidor da sensação de
dor. Quanto mais relaxado você fica, menos dor sente”, afirma. A equipe
do Pensamento Positivo hoje percorre 11 hospitais paulistanos a cada
semana. Para os voluntários, se a ciência comprova ou não os efeitos
dessa terapia antipessimismo é o que menos importa.
Porque só se fala nisso
Desvendar os poderes da mente – essa insondável caixa
cinzenta onde a vida pulsa e residem tantos mistérios – tem sido a meta
de gerações. O assunto ganhou fôlego a partir dos anos 60, nos EUA, no
auge da contracultura. Era a época das comunidades alternativas, da
valorização do misticismo oriental, da preocupação com a natureza e dos
experimentos com drogas alucinógenas. Nesse caldeirão de novidades,
surgiu o Movimento do Potencial Humano, que reunia psicólogos, gurus e
adeptos de terapias alternativas. Essa turma afirmava que o ser humano
possui capacidades inexploradas e que é possível transcender a mente com
o uso de técnicas que envolvem desde a meditação até massagens
especiais. As idéias fervilhavam principalmente no Instituto Esalen, na
Califórnia, EUA, um famoso ponto de encontro de hippies, terapeutas,
escritores e pesquisadores abertos a novas formas de conhecimento. Ali
surgiu o que atualmente algumas pessoas chamam de new age – ou nova era
–, uma mistura de práticas espiritualistas, terapêuticas e de auto-ajuda
que influenciaram bastante a cultura de hoje em dia e o modo de viver
de muitas pessoas.
Outros fatores também deram um empurrão na história do
pensamento positivo como um tema que norteia a vida moderna: o
individualismo, o avanço da ciência e o declínio das religiões
tradicionais. Faz tempo que os mitos e dogmas religiosos deixaram de
fazer sentido para muita gente. Os dois últimos censos demográficos do
IBGE mostraram isso em números. Em 1991, a pesquisa revelou que 4,7% da
população brasileira (7 milhões de pessoas) se declaravam sem religião.
Em 2000, o percentual subiu para 7,4%, ou seja 12,4 milhões (veja
reportagem na página 86 sobre o pensador ateu Richard Dawkins).
Na hora de entender os fenômenos do mundo ou encontrar
respostas para seus anseios, cada vez mais pessoas recorrem à ciência ou
às propostas da nova era. Aí, podem entrar em cena o misticismo
oriental e outras novas formas de religiosidade. A auto-ajuda também
pega sua carona aqui. A fé nos deuses cada vez mais dá lugar à crença no
poder do homem – ou na mente do homem. “Em vez de esperar por uma
religião, as pessoas tomaram para si mesmas a tarefa da salvação”,
observa o antropólogo Silas Guerriero, professor da PUC de São Paulo.
“Salvar-se, nesse caso, tornou-se sinônimo de ser bem-sucedido, feliz,
realizado, enfim, colocar em prática o potencial que cada um tem”,
afirma.
Um outro ponto que contribui para esse conjunto de
influências é o apelo crescente ao consumo desenfreado da sociedade em
que vivemos. Para muita gente, o pensamento positivo é mais um meio de
ter, comprar, possuir. Até mesmo muitas igrejas andam trabalhando nessa
linha. Entre algumas neopentecostais, um ramo do protestantismo que
emergiu nos anos 70, por exemplo, há o discurso de que o verdadeiro fiel
pode “exigir” que Deus realize seus desejos. A única diferença é que,
nesse caso, o caminho para alcançar o sucesso está na fé. Pensando bem,
talvez nem exista diferença. Afinal, sem a comprovação da ciência, o
poder miraculoso da mente, por muito tempo, pode continuar sendo apenas
uma questão de crer ou não crer – e a escolha da crença vai do freguês.
Pode ser em Deus, ou na própria mente.
Também não é exagero afirmar que o investimento no
pensamento positivo pode ser encarado como uma forma moderna de
escapismo. “Para muitas pessoas, isso é um alívio, pois essas técnicas
irão poupá-las do trabalho de questionar qual o sentido de sua vida, o
melhor caminho para seguir e a que atividades desejam se dedicar”,
comenta a filósofa Dulce Critelli, da PUC-SP. As dúvidas existenciais e o
sofrimento dão lugar à busca desenfreada pela casa nova, pelo carro de
luxo, pelo emprego dos sonhos, pelos amores incríveis.
Uma coisa é certa: os autores mais famosos do gênero
conquistaram tudo isso. Em pouco mais de um ano, Rhonda Byrne acumulou
uma fortuna de US$ 48,5 milhões. No mês de maio, ela foi eleita pela
revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Deepak Chopra
abandonou uma sólida carreira de médico endocrinologista para comandar o
Chopra Center for Wellbeing (Centro Chopra para o Bem-Estar), um
império da auto-ajuda sediado na Califórnia. Seus livros, cursos e
palestras rendem a ele mais de US$ 15 milhões por ano. Se o sucesso
deles veio graças ao pensamento positivo ou a idéias brilhantes aliadas a
uma boa estratégia de marketing, não se sabe. Talvez esse seja o
verdadeiro segredo.
Dinheiro amor saúde
Pensar positivo não faz carros e jóias orbitar ao seu redor.
Mas uma atitude otimista pode, sim, ajudar na sua saúde e no seu
bem-estar.
48,5 milhões de dólares. Essa é a fortuna acumulada por Rhonda Byrne, autora do livro O Segredo, em pouco mais de um ano.
“Cabe aos comandantes identificar os líderes do grupo e trabalhar na preparação e motivação de todos para o sucesso.”
Bernardinho, técnico campeão mundial de vôlei, medalhista olímpico.
Ciência ou auto-ajuda
É muito comum as teorias sobre pensamento positivo recorrerem à física quântica para legitimar suas idéias.
A física explica tudo?
No início do século passado, o surgimento da física quântica
– ciência que estuda o movimento dos átomos e partículas subatômicas –
causou uma revolução na nossa forma de entender a realidade. Até então,
víamos o mundo apenas pelas lentes da física clássica. Com uma boa dose
de certeza, conseguíamos avaliar as características dos objetos ao nosso
redor e prever seus movimentos. Por exemplo: se você jogar um copo para
o alto, sabe que ele vai cair, certo? Também pode calcular sua
velocidade, trajetória e a força do seu impacto. Essas leis valem ainda
hoje. Mas a física clássica não se aplica ao mundo quântico – no lugar
do velho determinismo, é a incerteza que rege o microcosmo. Para começo
de conversa, as partículas microscópicas se comportam de maneira
imprevisível. Elas são encaradas como ondas de possibilidades. Ou seja,
podem estar ali, aqui e acolá. E tem mais: um elétron pode influenciar
outro elétron a distância. Esses princípios atiçaram a curiosidade de
muita gente e inspiraram as mais variadas interpretações. O que se diz é
que nós todos nos comportamos como verdadeiros elétrons – só que em
tamanho aumentado, bem entendido. Veja a seguir as fontes da física
usadas pelas teorias de auto-ajuda.
1. Podemos influenciar a realidade
O que diz a física quântica – O elétron não tem uma
existência física. Ou seja, ele não é uma pessoa como eu e você. Ele não
pára quieto e é capaz de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Quando
um elétron é observado com um instrumento, ele pára em um só ponto, ou
seja, interferimos no seu rumo. “Mas não temos nenhum controle sobre o
lugar em que a partícula vai parar. Se eu quiser que ela reaja a meu
favor, não vou conseguir”, diz o físico Adilson José da Silva, professor
do Instituto de Física da USP.
Como esta teoria é apropriada – Esta idéia vem sendo usada
para justificar a crença de que a mente é capaz de alterar a realidade. O
pensamento positivo, nesse caso, influenciaria tudo e mudaria o rumo
dos acontecimentos. Do mesmo jeito que influenciamos a parada de um
elétron. “A física quântica dá a você o controle sobre o seu futuro,
permitindo que você altere a direção do seu destino”, diz Susan Anne
Taylor, psicóloga que faz palestras na área motivacional, no livro A
Ciência do Sucesso.
2. Todas as coisas estão conectadas
O que diz a física quântica – Em laboratório, os cientistas
conseguem fazer com que os átomos interajam, comuniquem-se entre si. É
possível fazer com que eles se comportem de forma interligada – ao mexer
em um, outro também se mexe. Esse processo independe da distância entre
as partículas, é como se o espaço não existisse. Se você mexer com um
átomo em Santos, pode fazer com que outro em Saturno se movimente. Esse
fenômeno é conhecido como “entrelaçamento de partículas”.
Como esta teoria é apropriada – Batizado por Albert
Einstein, nos anos 30, de “ação fantasmagórica a distância”, esse
princípio quântico de entrelaçamento de partículas já foi utilizado por
diversas áreas. Tentaram explicar, por exemplo, a telepatia, justificar
consultas oraculares a distância e, é claro, reforçar a idéia de que o
pensamento pode modificar a realidade. Também deu respaldo à crença na
sincronicidade, ou seja, de que não há coincidências e que tudo no
Universo está ligado.
3. Você pode curar sua vida
O que diz a física quântica – Os elétrons comportam-se como
ondas e se propagam pelo espaço. Mas também são partículas, ou seja,
objetos muito pequenos. Essa dupla característica, aparentemente
contraditória, é chamada pela física de “dualidade onda-partícula”.
Esses dois aspectos, em conjunto, devem ser considerados na observação e
no momento de estudo do comportamento e posicionamento dos elétrons.
Não se pode levar em conta que um aspecto funciona sem o outro.
Como esta teoria é apropriada – A história da dualidade dos
elétrons aconteceria em nossa vida diária. Por isso, com relação à nossa
saúde, é preciso unir sempre dois aspectos: mente e corpo, assim como
os elétrons no caso da onda-partícula. Para alcançar a cura, é preciso
superar esse dualismo. Os físicos Fritjof Capra e Amit Goswami levaram
essa idéia além. Eles sugerem a união entre a física quântica e a
filosofia oriental como caminho para compreender toda a existência.
http://super.abril.com.br/historia/pensamento-positivo/